Dúvidas? Entre em contato conosco: consumidorcidadao@bol.com.br




Publicidade Cidadã

Doe seus órgãos. A vida continua.


quinta-feira, 29 de novembro de 2007

TJSC. Hipoteca. Construtora e agente financeiro. Inexistência de eficácia perante os adquirentes do imóvel

Do Blog Leis e Tribunais

Nos termos do verbete n. 308, da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “A hipoteca firmada entre a construtora e agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Pouca importa, pois, se a promessa de compra e venda foi subscrita após à instituição da hipoteca, pois não pode o patrimônio dos adquirentes de boa-fé garantir dívida que é da construtora. Se a construtora, por conta e risco, anuiu ao gravame, sem a assunção expressa da autora-adquirente a esse ônus, cabe àquela, exclusivamente, a providência do levantamento. Confira, a seguir, esse importante pronunciamento do TJSC.

Apelação Cível n. 2002.007852-8, de Itajaí
Relator: Juiz Henry Petry Junior (cooperador)

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO DA AUTORA E DA RÉ. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. QUITAÇÃO DAS PARCELAS DEVIDAS. OUTORGA DA ESCRITURA DEFINITIVA. POSSIBILIDADE SOMENTE COM GRAVAME DE GARANTIA REAL. LEVANTAMENTO DA HIPOTECA AVERBADA EM FAVOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, TERCEIRA À LIDE. RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E A CONSTRUTORA. RESPONSABILIDADE DA CONSTRUTORA. RECURSO PROVIDO EM FAVOR DA ADQUIRENTE DE BOA-FÉ.
Nos termos do verbete n. 308, da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “A hipoteca firmada entre a construtora e agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
Pouca importa,pois, se a promessa de compra e venda foi subscrita após à instituição da hipoteca, pois não pode o patrimônio dos adquirentes de boa-fé garantir dívida que é da
construtora.
Se a construtora, por conta e risco, anuiu ao gravame, sem a assunção expressa da autora-adquirente a esse ônus, cabe àquela, exclusivamente, a providência do levantamento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2002.007852-8, da comarca de Itajaí (1ª Vara Cível), em que é apte/apdo Rosane Wendhausen Rothbarth, e apdo/apte MGR Engenharia Ltda:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por unanimidade, conhecer dos recursos interpostos, dando provimento ao da autora e e negando provimento ao do réu. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO
Trata-se de ação mandamental proposta por Rosane Wendhausen Rothbarth em face de MGR Engenharia Ltda., na qual a primeira requereu que fosse determinado à segunda que liberasse a escritura pública, livre de ônus hipotecários, do imóvel adquirido, em vista do total adimplemento do contrato de compra e venda firmado entre as partes. Ainda, requereu a antecipação da tutela, com previsão de multa diária cominatória por atraso no cumprimento da decisão.
Juntou ampla prova documental, principalmente o contrato de compra e venda do imóvel (fls. 16-33), os recibos que dão conta que a autora cumpriu sua obrigação pecuniária prevista contratualmente (fls. 35-53) e a certidão do 1o Registro de Imóveis da Comarca de Itajaí (fl. 72), esclarecendo que o referido imóvel possui averbação de hipoteca em favor da Caixa Econômica Federal (CEF).
Foi indeferido, liminarmente, o pedido antecipatório de tutela (fl. 74).
A ré respondeu a ação em forma de contestação, aduzindo que a autora nunca esteve impossibilitada de lavrar a escritura pública de seu imóvel, porém, que nesta constaria averbada garantia hipotecária em favor da CEF. Isso porque a ré realizou financiamento com esta instituição financeira para viabilizar a construção da obra, tendo dado o imóvel em garantia real. No entanto, como está discutindo judicialmente a dívida com o Banco, não seria possível retirar do imóvel da autora, no momento, a referida averbação. Por fim, aduz que a autora sempre soube da existência da garantia real em favor da CEF.
Juntou prova documental, principalmente o contrato de empréstimo celebrado com a CEF.
Em audiência preliminar foi tentada a conciliação, porém restou inexitosa. E, por não haverem mais provas a serem produzidas, julgou o magistrado singular antecipadamente a lide, acolhendo parcialmente os pedidos formulados na inicial, determinando que a ré outorgue escritura definitiva do imóvel à autora, no prazo de 60 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa de R$ 200,00 por dia de atraso no cumprimento.
Inconformadas com a decisão, autora e ré interpuseram recurso de apelação. A primeira requer a reforma da sentença apenas no que tange à hipoteca averbada no imóvel, ou seja, deseja que a ré realize o levantamento da hipoteca em favor da CEF, para que a autora tenha um título sem ônus. Já ré, em sua insurgência, deseja que seja reconhecida a preliminar de falta de interesse de agir da autora, assim como a improcedência do pedido inicial, já que a não teria como levantar a hipoteca do imóvel, cabendo a providência somente à CEF.
Contra-razões em fls. 153-158 e 161-164.
Era o relatório que se fazia necessário.

VOTO
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.
1. Recurso da ré MGR Engenharia Ltda.
1.1. Preliminar
Descabido o pedido da ré/apelante, pois não há que se falar no caso em falta de interesse de agir.
Ainda que a autora/apelada tenha a possibilidade de registrar o imóvel em seu nome, não estando a ré/apelante obstando esse procedimento, não interessa àquela uma escritura em que conste a averbação de hipoteca em favor da CEF.
Isso porque, mesmo que não obste futura venda do imóvel, a averbação da hipoteca por certo torna essa venda muito mais difícil, quiçá a inviabilizando.
Afasta-se, assim, a alegação de falta de interesse de agir da autora/apelada.
1.2. Mérito
Defende a ré/apelante que a autora/apelada sempre soube que a construção do imóvel era financiada pela CEF, já que esse empréstimo se deu muito antes da autora/apelada assinar contrato de compra e venda com a ré/apelante.
Ainda, que a autora/apelada assinou o referido contrato sem contestar suas cláusulas, sendo que, dentre elas, havia a que previa que o comprador declarava conhecer e estar de acordo com toda a documentação já depositada no Cartório de Registro de Imóveis. Por fim, que durante todo o período da obra havia uma enorme placa, afixada na construção, informando que o empreendimento ocorria com verbas do Sistema Habitacional.
Com razão a ré/apelante neste tocante, já que nem a autora/apelada nega que tivesse conhecimento desse fato. Porém, imprescindível destacar que, ainda que tivesse conhecimento dessa situação, nenhum desses fatos pode vinculá-la a arcar com o ônus da hipoteca averbada em seu imóvel. Isso porque, em primeiro lugar, o contrato de compra e venda se deu entre a autora/apelada e a ré/apelante, não havendo nenhuma participação da CEF.
Muito embora o contrato preveja a possibilidade de o comprador utilizar-se de financiamento bancário (Cláusula Quarta, fls. 18-19), não foi o meio utilizado pela autora/apelada para quitar o imóvel. O Quadro Resumo (fls. 32-33), anexo que faz parte do contrato de compra venda, prevê, em seu “item 8″, que o financiamento se deu diretamente com a construtora. Outrossim, todos os recibos de pagamento (fls. 35-53) das parcelas avençadas foram expedidos pela ré/apelante, o que corrobora o já previsto em contrato.
A Cláusula Décima-Primeira, referente à escritura definitiva, não deixa dúvidas sobre a responsabilidade da ré/apelante:
A PROMITENTE-VENDEDORA se obriga a outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto desta promessa de compra e venda, em favor do PROMITENTE-COMPRADOR, sob pena de adjudicação compulsória, após a comprovação do cumprimento de suas obrigações, em especial quanto ao pagamento do preço e encargos de aquisição.
Entretanto, a PROMITENTE-VENDEDORA terá um prazo de 360 dias corridos, após o habite-se, para o registro do imóvel, em nome do PROMITENTE-COMPRADOR, ou a quem este indicar. (fl. 23).
Além de a cláusula supra silenciar sobre a hipoteca, em nenhum momento do contrato fica estipulado que o comprador sujeitar-se-ia ao ônus da hipoteca averbada em favor da CEF. Mais, não consta da avença que o imóvel se encontrava com a averbação de hipoteca. Pelo contrário, o que se extrai da análise de todo o contrato e, em especial, da cláusula acima, é que a transferência do domínio ocorreria livre de quaisquer ônus, já que, após a quitação dos valores devidos, com mais nada arcaria o comprador, além das custas de transferência do bem.
Sobre os contratos de compromisso de compra e venda, MARIA HELENA DINIZ EXPLANA:
O compromisso ou promessa irrecusável de venda vem a ser o contrato pelo qual o compromitente-vendedor obriga-se a vender ao compromissário-comprador determinado imóvel, pelo preço, condições e modos avençados, outorgando-lhe a escritura definitiva assim que ocorrer o adimplemento da obrigação; por outro lado, o compromissário-comprador, por sua vez, ao pagar o preço e satisfazer todas as condições estipuladas no contrato, tem direito real sobre o imóvel, podendo reclamar a outorga da escritura definitiva, ou sua adjudicação compulsória, havendo recusa por parte do compromitente-vendedor. (in: Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 263).
No alvará de habite-se, a que se refere a cláusula décima-primeira do contrato, acostado em fl. 34, consta como data de liberação do imóvel para habitação o dia 03 de março de 1995. Com isso, o prazo hábil para que a ré/apelante realizasse a transferência do domínio do imóvel esgotou-se em 02 de março de 1996. Desta forma, está a autora/apelada há anos na posse do imóvel, sem que possa usufruir amplamente dos direitos inerentes à propriedade.
A averbação da hipoteca no imóvel, em favor da CEF, foi realizada como garantia pelo empréstimo efetuado à ré/apelante para a construção do empreendimento (Cláusula Quarta do contrato de empréstimo, fl. 93). Com as quitações das unidades autônomas do imóvel, eram as hipotecas levantadas pela CEF, conforme se observa nos documentos de fls. 104-107. Ou seja, logo que cada comprador quitava sua dívida, era seu imóvel liberado da garantia real dada ao Banco, podendo registrá-lo sem nenhum ônus.
Desta forma, assim como ocorreu com outras unidades, tinha a autora/apelada o direito de ver levantada a hipoteca da averbação de seu imóvel, não podendo arcar com a responsabilidade pela demora ou negativa da ré/apelante em saldar sua particular dívida para com a CEF.
Se foram os valores recebidos malversados ou se há negativa em pagar as parcelas e juros decorrentes do contrato de empréstimo, cabe á ré/apelante arcar com as responsabilidades de suas decisões, não podendo transferi-las para a autora/apelada, terceira boa-fé.
Em casos similares, é esse o entendimento deste Tribunal:
DIREITO CIVIL – COMINATÓRIA – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA – NEGATIVA DE CONSTRUTORA – ÔNUS HIPOTECÁRIO INCIDENTE SOBRE IMÓVEL – DENUNCIAÇÃO À LIDE DE AGENTE FINANCEIRO – PROCEDÊNCIA NO JUÍZO A QUO – RECURSO DA LITISDENUNCIADA – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DA CONSTRUTORA – IRRELEVÂNCIA – IMÓVEL QUITADO INTEGRALMENTE PELOS CONSUMIDORES – HIPOTECA INEFICAZ PERANTE ADQUIRENTES – SENTENÇA MANTIDA – PROVIMENTO NEGADO.
Em compra e venda de imóvel, cumprida a obrigação pelo adquirente, a sua outorga definitiva por incorporadora não se subordina à hipoteca instituída em favor do agente financeiro.
(…).
Os autores consumidores não têm nenhuma obrigação de garantir dívida assumida pela empresa requerida, porque são adquirentes de boa-fé e cumpriram suas obrigações contratuais. O financiamento é problema contratual que deve ser resolvido entre a ré e o banco terceiro.
Pouca importância tem o fato de a promessa de compra e venda ter sido subscrita após à instituição da hipoteca, porque não pode o patrimônio dos consumidores de boa-fé garantir dívida que é da construtora. (AC n. 2006.002437-6, da Capital. Relator: DES. MONTEIRO ROCHA. DECISÃO EM 29/03/2007).
Também:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – CONTRATO DE FINANCIAMENTO ENTRE BANCO E CONTRUTORA – GARANTIA HIPOTECÁRIA INCIDENTE SOBRE IMÓVEL – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM” – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – QUITAÇÃO INTEGRAL DO PREÇO – INEFICÁCIA DO GRAVAME PERANTE TERCEIRO ADQUIRENTE DE BOA-FÉ – SÚMULA 308 DO STJ – OUTORGA DA ESCRITURA DEFINITIVA OBRIGATÓRIA.
(…).
II – Nos termos da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça: “a hipoteca firmada entre a construtora e agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Por conseguinte, merece respaldo a ação de adjudicação compulsória proposta por terceiro adquirente de boa-fé, amparada no direito em requerer a outorga da escritura definitiva de imóvel, uma vez quitado integralmente o preço perante a construtora.
Independe, para tanto, a existência de gravame incidente sobre a unidade residencial, mormente quando instituído após o compromisso de compra e venda. (AC n. 2004.009056-0, da Capital. Relatora: DESA. SALETE SILVA SOMMARIVA. DECISÃO EM 14/11/2006).
Assim, deve-se negar provimento ao recurso da ré/apelante, mantendo-se a determinação da sentença de que a ré MGR Engenharia Ltda. deve outorgar escritura pública definitiva do imóvel, no prazo de 60 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia de descumprimento.
2. Recurso da autora Rosane Wendhausen Rothbarth
Insurge-se a autora/apelante contra a decisão de primeiro grau somente no que concerne ao levantamento da averbação de hipoteca em seu imóvel, que consta em favor da CEF.
Como já esclarecido acima quando da análise do recurso da ré/apelada, a obrigação decorrente da relação contratual entre a construtora (ré) e a instituição financeira (CEF) não pode ser imputada à autora/apelante. Isso porque a autora/apelante é adquirente de boa-fé, ainda que a averbação tenha ocorrido antes da aquisição do imóvel.
Em não havendo no contrato de compra e venda, celebrado entre a autora e a ré, qualquer previsão de que a primeira arcaria com esse ônus, menos ainda se pode admitir tal gravame à autora/apelante.
E, do mesmo modo que a ré/apelada conseguiu, junto à CEF, o levantamento da hipoteca quanto a outras unidades habitacionais do condomínio (fls. 104-107), deve fazer o mesmo para com a autora/apelante, a fim de que esta possa registrar o imóvel em seu nome sem a averbação de hipoteca em questão.
Cabe a ré/apelada resolver sua situação com a instituição financeira (CEF), vez que a autora cumpriu todas as exigências contratuais que lhe cabiam.
Deste modo, deve ser reformada a decisão singular a fim de que a ré/apelada MGR Engenharia Ltda. viabilize o levantamento da hipoteca averbada no Registro do Imóvel descrito no documento de fls. 32-33, lá prevista em favor da CEF, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) por descumprimento, mantendo-se as demais determinações previstas na sentença (fls. 139-140).
DECISÃO
Ante o exposto, conhece-se de ambos os recursos, dando provimento para aquele interposto pela autora Rosane Wendhausen Rothbarth, determinando à ré MGR Engenharia LTDA que viabilize o levantamento da hipoteca averbada no imóvel da autora, que se encontra em favor da Caixa Econômica Federal, no prazo e condição supra, e, nega-se provimento ao recurso interposto pela ré, mantendo-se a decisão do juízo a quo em seus fundamentos, inclusive no que tange a multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) por seu descumprimento.

Participaram do julgamento a Excelentíssima Desª. Maria do Rocio Luz Santa Ritta e o Excelentíssimo Des. Joel Figueira Júnior.

Florianópolis, 10 de julho de 2007.

Maria do Rocio Luz Santa Ritta
PRESIDENTE

Henry Petry Junior (cooperador)
RELATOR