Dúvidas? Entre em contato conosco: consumidorcidadao@bol.com.br




Publicidade Cidadã

Doe seus órgãos. A vida continua.


terça-feira, 21 de agosto de 2007

Banco do Brasil é acusado de "venda casada"

JOSÉ MASCHIO
da Agência Folha, em Lunardelli (PR)

O Banco do Brasil, principal agente operador do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), usa a liberação de recursos do programa para vender produtos e serviços, aponta fiscalização da CGU (Controladoria Geral da União). A prática é vedada pelo MCR (Manual de Crédito Rural), em norma do Conselho Monetário Nacional.

Fiscalizações da CGU constataram irregularidades, em pelo menos quatro Estados, de venda "casada" de produtos e serviços --títulos de capitalização, poupança e seguro de vida-- no momento da contratação de empréstimos do Pronaf.

Relatórios da controladoria, com base em fiscalizações realizadas no ano passado e divulgadas no dia 9 do mês passado, mostram que o BB condiciona a liberação de créditos do Pronaf à compra, pelo agricultor, de produtos do banco.

Essas irregularidades aparecem em municípios como Antônio Dias e Ninheira (MG), Paranaíba (MS) e Lunardelli (PR). Em Chuvisca (RS), o BB é acusado pela CGU de não devolver juros para débitos quitados antes do prazo.
Ainda no Rio Grande do Sul, em São João da Urtiga, a controladoria apontou que o banco concedeu empréstimos do Pronaf a agricultores com renda anual superior ao limite estabelecido pelo programa.

Além do sorteio dos municípios a serem fiscalizados, a CGU usa o método de escolher dez dossiês (contratos) de Pronaf para análise.

Em Antônio Dias e Ninheira, por exemplo, o índice de exigência de reciprocidade por meio da compra de seguro de vida foi de 70% dos dez casos analisados. Essa exigência constava dos contratos analisados e, segundo o relatório técnico, os agricultores não tinham conhecimento da contratação do seguro.

Seguro e poupança

Em Antônio Dias, um caso de uso, pelo banco, do Pronaf para fazer receita é exemplar. Segundo o relatório dos técnicos da CGU, ao obter empréstimo de R$ 18 mil, com prazo de oito anos e pagamento anual, um agricultor foi obrigado a comprar um seguro de vida com pagamento anual de R$ 453.

No município de Lunardelli (391 km ao norte de Curitiba), onde a controladoria relatou episódios de reciprocidade para a concessão de empréstimos, a Folha encontrou casos ainda mais graves, como compra de títulos de capitalização, de seguro de vida e bloqueio de recursos de produtores.

Adenir Gomes Ferreira, dono de 9,6 hectares, é um dos agricultores com dinheiro bloqueado pelo BB. Na safra de verão passada, ele fez empréstimo de R$ 8.000, com vencimento em outubro. Para ter o dinheiro, teve que comprar um título de capitalização.

Em abril deste ano, Ferreira vendeu R$ 8.500 em soja para uma cooperativa e teve o dinheiro retido pelo BB, que abriu, compulsoriamente, uma poupança para garantir o pagamento do empréstimo.

"Fizeram eu abrir uma poupança e o dinheiro está lá, bloqueado, para quitar uma dívida que só vai vencer em outubro", afirma Ferreira. Ele disse que precisou pegar empréstimos com agiotas para plantar a safra de inverno deste ano.

"O banco poderia ter quitado a dívida antecipadamente e devolver os juros cobrados de abril a outubro, mas nunca fazer o bloqueio", afirma a gerente da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) em Lunardelli, Liliane Rodrigues da Fonseca.

"Esse é um caso de perversão, de irregularidade, que precisa ser investigado", diz o diretor financeiro e de proteção à produção rural, João Luiz Guadagnin, da Secretaria de Agricultura Familiar.

Guadagnin admite que é difícil impedir a exigência de reciprocidade. "As normas proíbem, mas o assédio das agências para que o agricultor familiar compre serviços é difícil de controlar. Sempre existe a desculpa de que o banco ofereceu o produto, mas não obrigou o agricultor a comprá-lo".

Outro lado

O Banco do Brasil informou que, até a última sexta-feira, não havia sido notificado pela CGU (Controladoria Geral da União) das "irregularidades mencionadas em operações de Pronaf".

Segundo o BB, que se pronunciou por meio de sua assessoria de imprensa, "qualquer ato que contrarie os normativos do banco é rigorosamente apurado e são tomadas as providências específicas cabíveis".

Em nota, a direção do Banco do Brasil afirma que o banco é parceiro dos agricultores e o principal agente financeiro do Pronaf. E cita números para provar o seu "compromisso com a agricultura familiar brasileira".

Segundo o documento, mais de dois terços dos recursos aplicados no programa são via BB. Com saldo em carteira de R$ 12,5 bilhões na agricultura familiar, o banco tem 1,050 milhão de contratos realizados por cerca de 2.700 agências.

A nota da direção do BB, em resposta aos questionamentos da Folha, não menciona nenhuma das irregularidades constatadas pela CGU ou pela reportagem no município de Lunardelli, no Paraná.

O gerente regional do BB em Maringá (norte do Paraná), Sebastião Santana Lima, disse que não poderia, por respeito ao sigilo bancário, comentar situações específicas de agricultores de Lunardelli.

Os contratos do Pronaf dos agricultores de Lunardelli foram feitos na agência BB de São João do Ivaí, subordinada à regional de Maringá.

Lima afirmou que a exigência de reciprocidade é proibida pelo banco. "Nós orientamos nossos gerentes e colaboradores a oferecer os serviços e produtos do banco, mas a venda "casada" ou exigência de reciprocidade é terminantemente proibida", afirmou o gerente.

Segundo Lima, a agência de São João do Ivaí atendeu, na última safra de verão, 522 agricultores familiares, com a efetivação de 581 contratos --um agricultor pode pegar mais de um empréstimo--, inclusive os de agricultores de Lunardelli.

"Desse total, apenas 39 produtores têm algum tipo de produto do banco, em uma prova que não houve irregularidades", disse.

O banco não se pronunciou sobre o não uso ou divulgação da conta governamental em empréstimos do Pronaf.